Os casos de abuso sexual infantil estão aumentando. Por isso, a orientação é observar o que a criança está acessando, colocar travas de faixa etária e conversar desde cedo.
Os casos de abuso sexual infantil aumentaram 70% entre 2022 e 2023, no Brasil. A afirmação foi feita pela Promotora de Justiça Fábia Cristina Dantas Pereira, coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança, do Adolescente e da Educação, durante o programa Arapuan Verdade desta quinta-feira (16).
“É uma situação devastadora para quem trabalha no dia a dia com criança e adolescente, quem trabalha na parte criminal. Houve um aumento significativo de cerca de 70% no número de casos de 2022 para 2023. São dados da Safernet no Brasil”, pontuou.
A escola, conforme a promotora, tem um papel importante porque é um ambiente de socialização e descoberta. Ela lembrou que crianças e adolescentes ficaram muito tempo dentro de casa durante a pandemia, sem a proteção, sem as unidades básicas de saúde.
Ela citou também a questão da divulgação. “Nós temos muito de campanhas educativas, de ir às escolas porque, muitas vezes, não se sabe o que é o abuso, a exploração sexual. A partir do momento em que há essa divulgação, a criança e o adolescente sabem que estão sendo abusados sexualmente”.
O trabalho da Promotoria é feito de forma preventiva com a rede articulada. “Sozinhos, família, escola, saúde, Ministério Público não conseguem trabalhar. Então, o promotor da infância e juventude trabalha em articulação com toda a rede de proteção e sistema de garantia de proteção a crianças e adolescentes”.
Perfil do abusador e a importância de conversar com a criança
A promotora Fábia Dantas afirmou que o perfil mais comum dos abusadores é sexo masculino e, geralmente, pessoas próximas à criança. “Infelizmente, são homens, muitas vezes, pais, vizinhos. A quase totalidade dos casos são pessoas da confiança da pessoa”, disse. Além disso, conforme a promotora, 75% das crianças e adolescentes abusadas são meninas com idades entre nove e 12 anos, e negras.
Para ela, conversar com a criança desde cedo é a melhor forma de fazê-la compreender quando estiver numa situação de perigo. “Falar de forma natural e objetiva explicando onde pode ser tocada, quem pode tocar, naturalizando (a informação). Informar os locais onde não pode tocar. Pode ser de forma lúdica, utilizando sinais coloridos, como um sinal vermelho onde não pode tocar”, ensinou.
“Desde cedo, dando banho, vai conversando, explicando, dizendo quem pode tocar. Isso é de grande relevância e, aos poucos, vai evoluindo a forma de conversar. Isso mostra à criança a forma de se proteger e, se acontecer, ela vai entender que aquilo foi errado”, acrescentou.
Cuidado com exposição nas redes sociais
Quando os pais quando expõem imagens das crianças, a promotora alerta que é preciso ter cuidado porque quando essa imagem é publicada na internet, está no mundo. “Podemos tentar retirar, mas não retira totalmente. Temos que ter muito cuidado porque até a farda não deve ser exposta para não mostrar o colégio onde a criança estuda. Tem que ter muito cuidado porque existe um meio de exploração sexual, de pornografia com a utilização de imagens de crianças e adolescentes”.
A orientação é observar o que a criança está acessando, colocar travas de faixa etária. O diálogo, como enfatizou Fábia Dantas, é a melhor forma de tratar esse tema.
“Recomendo aos pais vigilância, conversa, sinceridade, falar aberto, explicar, mostrar os malefícios para que eles tenham confiança. Até determinada idade tem que ter um não, tem que restringir. Criança não tem maturidade”.
A promotora enfatizou que é um grande desafio o combate ao abuso sexual via internet e que é a favor do regramento das big techs. “Elas têm uma responsabilidade imensa em relação a isso, têm acesso e têm como retirar imediatamente. Porém, demoram a fazer isso porque é lucro, é dinheiro”, lamentou.
Escuta especializada
Existe uma lei de 2007 que é a lei da escuta especializada e do depoimento sem dano. O Ministério Público está trabalhando para que isso seja regulamentado de forma efetiva porque criança e adolescente não podem ser tratados como adultos.
Os casos e denúncias chegam diretamente ou ao Conselho Tutelar, ao Ministério Público e à Polícia Civil. “Nós orientamos os promotores, no caso de crianças e adolescentes, a utilizar o depoimento sem dano, que é o depoimento feito por uma equipe especializada e não pelo promotor, juiz o ou delegado. É uma equipe multidisciplinar”.
Nesse tipo de depoimento, a criança ou adolescente tem o direito de não querer falar, mas se quiser, não será com uma promotora de justiça que não tem a formação para chegar até a criança e perguntar, de forma que não a revitimize.
“O assunto é muito delicado até para nós adultos, imagine para uma criança de 11, 12 anos de idade. Há necessidade da implementação desse depoimento sem dano e da escuta protegida que é para verificar o que se pode trabalhar com a criança, quais a medidas, se encaminha para um psicólogo, psiquiatra, se faz profilaxia porque ela pode estar grávida ou ter adquirido alguma doença sexualmente transmissível”.
Como denunciar
- Disque 100
- Disque 155 (antigo 123)
- 157 em João Pessoa.
Bullying é crime
O bullying foi criminalizado assim como o cyberbullying, mas a promotora relata que viu isso como um fracasso da sociedade por não conseguir tratar o bullying e precisar que virasse crime.
“O direito penal é a última intervenção que o estado faz. Então, a escola, a sociedade, o Ministério Público não conseguiram combater o bullying antes que virasse crime. Precisou virar crime para que pudéssemos olhar de forma mais efetiva”, constatou.
Ele afirmou que as campanhas vão continuar e acrescentou que a discussão sobre bullying é importante, inclusive, no debate sobre os casos dos ataques das escolas. Segundo a promotora, muitos dos que realizaram esses ataques foram vítimas de bullying, e a escola precisa identificar.
“Não vamos estigmatizar, mas trabalhar nas escolas o que é bullying. Podem dizer que estão brincando, mas essa brincadeira machuca”, disse.
Ainda conforme a promotora, a lei é muito nova, de janeiro de 2024, e ainda não há casos. Em um encontro com promotores de justiça de todo o Brasil inteiro, não há informações sobre denúncias para o crime, cuja pena é de multa.
A denúncia, conforme Fábia Dantas, pode ser anônima e o ideal é que o denunciante relate tudo que souber, com detalhes. “Quem sabe e pode denunciar pode mudar a vida de uma criança. Procurar a direção de uma escola, se for o caso, a família, Ministério Público, Conselho Tutelar”.
Ela enfatizou que as escolas são importantíssimas para identificação de casos de abuso sexual porque há mudanças que ocorrem com as crianças. As professoras, por exemplo, ficam um bom tempo com elas e percebem.
“As professoras não devem perguntar, só escutar. É o que chamamos de fala espontânea. E encaminha o que escutou, sem interferir na conversa, e encaminhamos para os comitês, equipe com conhecimento técnico”, explicou.
Sobre crime cibernético, com armazenamento de imagens, caso seja em um computador local, o Ministério Público atua. Se envolver outro estado, segue para o Ministério Público Federal (MPF).
Atribuições da promotoria
O Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança, do Adolescente e da Educação presta apoio, orientação a todos os promotores de justiça que têm atribuição na infância e na educação, além de articular políticas públicas.
Em João Pessoa, há promotores específicos da infância e juventude, os que fazem a parte protetiva e os que trabalham com a socioeducação com adolescentes que praticam algum ato infracional. Em Campina Grande, da mesma forma. Nas demais cidades, dependendo do porte, há promotores da infância, educação e, nas demais, promotor generalista.
Fonte: ClickPB
Redação: pbaqui.com.br